Dizem-nos que é na zona antiga de Trípoli, o verdadeiro coração da urbe, que se sente a atmosfera mais tradicional e onde podemos degustar os mais deliciosos sabores da região. Acabados de desembarcar na segunda maior cidade do país aceitamos a sugestão do simpático senhor que nos trouxe desde Byblos e num estalar de dedos somos transportados para um enquadramento totalmente distinto daquele que havíamos vivido até então. De súbito as grandes avenidas de aparência linear dão lugar a labirínticas ruas ladeadas por espaços comerciais acanhados nos quais para além de se vender de tudo um pouco também se aconchega o estômago por menos de um euro.
O coração não se contém e saltita de emoção ao ser confrontado com uma inesperada viagem temporal onde, para completar o quadro, só nos faltava vislumbrar um grupo de Fenícios acabados de desembarcar no porto marítimo situado nos limites da península.
Nesta espécie de introdução a uma realidade desconhecida, Tripoli surpreende-nos e sem aviso prévio apodera-se do nosso ser, transportando-nos para uma dimensão que parece manter-se inalterada à séculos.
Hoje, tal como nos tempos em que outros povos aqui se estabeleceram, ainda se vive de forma simples e até os ofícios que o progresso insiste em apagar da memória ainda continuam heroicamente em uso, valendo-lhes os mais velhos que com dedicação fazem questão de manter intactos os ensinamentos dos seus ancestrais descendentes. Neste mundo pintado de sombras parece não haver pressa nem necessidade em modernizar o que está bem assim.
Gostamos sobretudo do que vemos nos comércios que connosco se cruzam mas estamos claramente fora do contexto e as nossas feições ocidentais têm o condão de inflacionar os preços. Negociamos, sorrimos, esticamos a corda até que o valor acaba por agradar a ambas as partes. O negócio é selado com um vigoroso apertar de mão e uma palmada no peito. Para lá das experiências a nossa bagagem também regressará a casa carregada com um sabonete artesanal confecionado com produtos naturais numa pequena fábrica situada no interior da medina.
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De uma forma quase teimosa um agradável perfume a especiarias insiste em seguir os nossos passos enquanto nos perdemos nos rendilhados caminhos desta zona da cidade onde em cada viela somos confrontados com um convite à exploração. O objetivo de visitar a cidadela é interrompido pelo irresistível aroma a café que foge da cafeteira transportada por um vendedor ambulante que a pedido acaba por nos servir duas taças bem guarnecidas. O preço? cerca de 0,10€ por cada uma e dois dedos de uma agradável conversa.
Com um justificado atraso a grande fortaleza é alcançada e acaba por não escapar à nossa exploração ainda que sejam poucos os motivos de interesse presentes no interior das muralhas erguidas sem grande preocupação estética. Para falar verdade salvam-se as vistas sobre o imenso casario e meia dúzia de fragmentos arqueológicos que julgamos ser de origem romana.
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Em Tripoli há razões de sobra para perdermos o foco e por vezes, quando a medina está prestes a desvendar-nos o tal lugar que tanto procurávamos, o olhar alheia-se, fugindo na direção de uma banca de rua ou até para os detalhes presentes no ponto mais elevado de um minarete. Foi precisamente num desses momentos de distração que uma simples placa de madeira nos aguçou a curiosidade e nos encaminhou para uma das mais incríveis experiências que Trípoli nos iria proporcionar.
No final de um estreito beco, onde os ruídos da medina têm dificuldade em chegar, deparamo-nos com aquele que afirmam ser o único hammam ainda em funcionamento em Trípoli. Com a devida permissão acedemos ao interior daquela espécie de cápsula do tempo e ainda que a privacidade de quem se encontra nas outras salas não permita que nos adentremos para lá da área comum, o que vemos justifica plenamente a nossa passagem pelo local. Fazem-se meia dúzia de fotos e quando nos preparamos para seguir viagem surge o convite para um "serviço completo". O preço proposto é aceitável e a hora que se segue revela-se fértil em vapores, esticões e esfregadelas.
Estamos a dois passos da Mesquita Al Mansouri e o chamamento para a penúltima oração do dia promove um aumento considerável na movimentação de pessoas ao redor daquele que julgamos ser o principal templo religioso da cidade. Aproveitamos a ocasião e em conjunto com os fiéis atravessamos o bonito portal de pedra que nos conduz a um amplo pátio central no qual, com as devidas distâncias, assistimos mais uma vez ao sempre fascinante ritual de ablução.
Nas muitas conversas que tivemos ao longo desta viagem percebemos claramente que existe uma rivalidade entre as gentes de Beirute e aqueles que vivem na segunda maior metrópole do país. Diziam-nos que em Trípoli o ambiente era mais conservador e as pessoas menos abertas ao contacto com quem chega de outras latitudes. Se cada um desses comentários menos abonatórios fizeram com que (numa primeira fase) abordássemos com algumas reservas a nossa estadia na cidade, a verdade é que o que testemunhámos presencialmente teve o condão de ainda hoje relembrarmos Trípoli como o local que mais gosto nos deu conhecer durante os dias que permanecemos no Líbano.
DOIS DIAS EM TRÍPOLI
12 LOCAIS E EXPERIÊNCIAS QUE MERECEM FAZER PARTE DE QUALQUER ROTEIRO
.COMEÇAR O DIA COM UM TÍPICO KAAK
Trípoli oferece a quem a visita uma grande variedade de oportunidades para experimentar a sempre apetitosa comida de rua tradicional. Durante a nossa estadia deliciámo-nos com um sem número de especialidades da região, acabando inclusive por ficar fans de algumas delas. Todas as manhãs, para além do cafe, não dispensávamos também o típico Kaak, que nada mais é que uma sanduíche de queijo aquecida na hora sobre as brasas de uma espécie de fogareiro.
.VER A CIDADE ACORDAR NAS ÁREAS AO REDOR DA SEMPRE MOVIMENTADA PRAÇA AL TALL
A praça Al-Tall será provavelmente a área mais central e mais congestionada de Trípoli. Este grande espaço, no qual há sempre algo a acontecer, funciona não só como ponto de partida dos táxis partilhados que se deslocam para outras regiões mas também como uma espécie de fronteira imaginária entre a medina e a parte mais recente da cidade. Destacamos ainda a centenária Torre do Relógio e o agradável Jardim Al-Manchieh.
.PERDER-SE NAS LABIRÍNTICAS RUAS DA MEDINA
Percorrer ao acaso as labirínticas ruas da medina foi talvez uma das melhores experiências que realizámos durante os dias que permanecemos em Trípoli. A mais antiga área da cidade é fértil em locais e experiências fascinantes que só surgiram no nosso caminho porque deixámos que o instinto nos guiasse pelo emaranhado de ruas, becos e travessas que compõem este estranho mas maravilhoso mundo de sombras.
.JUNTAR-SE AOS HABITANTES LOCAIS ENQUANTO PERCORRE OS DIVERSOS BAZARES DA ZONA ANTIGA
Os Souqs de Trípoli são o local perfeito para testemunhar a energia e o modo de vida das gentes da cidade. Espaços únicos onde se vende de tudo um pouco e nos quais ainda nos deparamos com uma mão cheia de artesãos que fazem questão de manter vivos os ofícios de outras eras.
.COMPRAR UM SABONETE ARTESANAL FEITO SÓ COM INGREDIENTES NATURAIS
Num antigo caravenserai que certamente serviu de ponto de paragem nas rotas comerciais que cruzavam esta zona do território, deparámo-nos com uma fábrica de sabonetes que ainda hoje utiliza processos artesanais na confeção dos seus produtos. Durante a visita tivemos a oportunidade de trocar dois dedos de conversa com um dos responsáveis que para além de nos explicar alguns passos do processo de fabricação também nos garantiu que o negócio flui com alguma prosperidade e que as exportações para países europeus representam uma fatia considerável da atual produção.
.VISITAR A ANTIGA CIDADELA E DESFRUTAR DAS MELHORES VISTAS SOBRE A CIDADE
No ponto mais elevado de Trípoli ergue-se uma antiga fortaleza que nos relembra as raizes medievais da cidade. Confessamos que ficámos um pouco desapontados com a falta de motivos de interesse presentes no interior do complexo, contudo, por se situar num ponto privilegiado, as vistas sobre o imenso casario são fantásticas.
.ADOÇAR O PALATO COM OS SEMPRE APETITOSOS DOCES TÍPICOS
A cidade de Trípoli é conhecida pela sua doçaria tradicional e durante a nossa visita não perdemos a oportunidade de experimentar algumas desta especialidades açucaradas. Para além de serem vendidos nas mais conceituadas pastelarias da zona nova, também encontrámos e comprámos alguns enquanto passeávamos pelas ruas da medina.
.VISITAR O HAMMAM AL ABED E APROVEITAR A OPORTUNIDADE PARA TRATAR O CORPO COM UM REVIGORANTE BANHO TURCO
São vários os antigos hammans presentes na zona velha de Trípoli, contudo só um resistiu ao passar dos séculos e se mantém ainda em funcionamento. Escondido no final de um beco pouco iluminado, o Hammam Al Abed ainda preserva uma decoração muito próxima da original da qual se destacam as paredes coloridas, os tectos abobadados e uma pequena fonte situada na principal sala do complexo.
O que deveria ser uma simples visita turística rapidamente se transformou numa das experiências que mais gostamos de recordar da nossa passagem pela cidade.
.FAZER UMA VIAGEM NO TEMPO ENQUANTO VISITA A ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE TRÍPOLI
O espaço que hoje vemos em ruínas foi em tempos uma importante estação na ligação ferroviária que ligava Homs na Síria a Beirute. Com a guerra civil o trajeto foi suprimido, levando ao abandono deste complexo onde ainda hoje se encontram diversas locomotivas. Apesar da área se encontrar vedada, é possível aceder ao interior do espaço através dos muitos buracos existentes na vedação. Visitar a antiga estação ferroviária de Trípoli é ter a oportunidade de realizar uma viagem até ao tempo em que o Líbano era um dos destinos mais procurados da região do Médio Oriente.
.IR ATÉ À PITORESCA ZONA DE AL-MINA E IMAGINAR-SE NO TEMPO EM QUE O POVO FENÍCIO ALI DESEMBARCOU
Conhecer a área de Al-Mina, situada no extremo ocidental da cidade, poderá ser uma ótima opção de passeio para quem quer aprofundar o conhecimento sobre as diversas facetas de Trípoli. Para além de caminhar por entre o casario típico também nos soube bem percorrer a longa avenida que segue paralela ao mar. Quem diria que o porto marítimo que hoje vemos foi num passado longínquo usado pelo povo Fenício.
.APROVEITAR A PROXIMIDADE PARA VISITAR TAMBÉM A LINDÍSSIMA IGREJA DE SÃO JORGE
Ainda que o Islão seja, de forma destacada, a religião com maior predominância por entre a população libanesa a verdade é que há também espaço para outras crenças. Durante os dias que viajámos pelo país percebemos que o cristianismo assume claramente a segunda posição e em cada local ou cidade que visitámos deparámo-nos sempre com diversos monumentos de origem cristã. Um dos locais de culto católicos que mais no impressionou foi a Igreja Ortodoxa de São Jorge, situada no bairro de Al-Mina. O interior apresenta uma decoração lindíssima na qual os detalhes dourados assumem claramente um papel de destaque.
.NO REGRESO À MEDINA DESLUMBRE-SE COM A IMPONÊNCIA DA MESQUITA AL MANSOURI
No Coração da medina, apertada por entre o denso casario, ergue-se a bonita Mesquita Al Mansouri que na nossa opinião é um dos mais belos exemplos de arquitetura islâmica presente em toda a cidade. A cada novo chamamento para a oração o espaço enche-se de fiéis, e nós, com a devida distância, tivemos a oportunidade de assistir por mais que uma vez a esse momento assim como ao sempre fascinante ritual de ablução.
INFORMAÇÕES ÚTEIS:
.COMO CHEGÁMOS A TRÍPOLI
Chegámos a Trípoli vindos da cidade de Byblos e ainda que houvesse a possibilidade de realizarmos a viagem numa das muitas vans que fazem este trajeto, escolhemos fazê-lo à boleia, poupando não só a pequena quantia cobrada pelo serviço mas também promovendo um pouco o contacto social com as gentes locais.
.COMO NOS DESLOCÁMOS EM TRÍPOLI
Gostamos de caminhar e durante os dois dias que permanecemos em Trípoli percorremos a cidade a pé, tentando assim explorá-la ao máximo. Para além de estarmos mais próximos das pessoas é também desta forma que na maioria dos casos nos deparamos com locais e experiências únicas.
.ONDE TROCÁMOS DINHEIRO
Sabíamos que a crise económica que se abateu sobre o Líbano iria ter um peso considerável na forma como teríamos de abordar esta viagem uma vez que a constante desvalorização da moeda local só nos permitiria ter a perfeita noção do custo de vida no momento em que déssemos os primeiros passos no país. De forma a evitar surpresas desnecessárias optámos por não usar qualquer tipo de cartão bancário durante a nossa estadia, levando connosco o dinheiro que acharíamos ser suficiente para os dez dias que contávamos permanecer no Líbano. No momento de trocar os euros que trouxemos de casa por moeda local percebemos de imediato que a taxa "oferecida" pelos bancos era significativamente mais baixa que aquela que era praticada na maioria das casas de câmbio. A cadeia OMT por ser a mais conhecida (presente um pouco por todo o território) acabou também por ser o local onde efetuámos todas as transações de troca de dinheiro.
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